PPM Coachers- Carmen Vicente
«Trabalhei muito, arrisquei sempre com muita ponderação e houve alturas em que até duvidei, mas consegui cumprir e até ultrapassar os objetivos: em setembro de 2013, éramos a unidade de negócio mais rentável do grupo – representávamos 5% do volume de negócios mas com 20% de rentabilidade – e a nossa faturação anual aumentara 20%, uma prova inegável de que a nossa abordagem ao mercado estava claramente a funcionar». Se é a necessidade que faz o engenho, então há que transformar problemas em soluções... Curiosamente, setembro de 2013 é também um turning point na vida de Carmen. A casa-mãe é vendida a uma multinacional japonesa deixando de fora da operação a participação que detinham na empresa portuguesa. Carmen decide então comprar a quota detida pelos sócios espanhóis e, recorrendo a um investidor português, tornar-se independente, investindo na criação de uma nova marca – a PPM Coachers – mas mantendo todos os ativos (e ambições) da antiga Aventia Portugal (know-how, clientes, colaboradores, certificações internacionais, etc.). Por muito que o verbo esteja na moda e que hoje o apelo a novos – jovens ou seniores – empreendedores seja uma constante por parte das mais diversas entidades – Governo, banca, business angels, universidades, media – empreender não é para todos. Ou todas. É um caminho longo e áspero que só se faz caminhando, raramente a passo rápido, a maioria da vezes a tropeçar nas muitas pedras que vão surgindo e que, como dizia Fernando Pessoa, nem sempre servem “para construir um castelo”. Daí que, apesar do sucesso alcançado e inegavelmente merecido, nem por isso Carmen Vicente deixa de chamar a atenção para as condições e os atributos necessários ao êxito de um projeto de empreendedorismo, seja ele de que área for. Qualidades vs Timing vs Oportunidades: será que todos podemos ser empreendedores? «Um empreendedor tem que ter a vontade de assumir o risco, de ultrapassar o medo, de ter fé e acreditar nas suas capacidades. Se puder não dar esse passo sozinho e tiver alguém para o acompanhar – com conselhos, assessoria e até suporte financeiro – tanto melhor! Em qualquer caso, tem que saber muito bem o que quer e analisar todos os cenários: os bons e, sobretudo, os maus, aqueles que nenhum gestor gosta sequer de imaginar, porque a decisão de fechar uma empresa custa muito mais do que a de abrir», defende, reforçando também a ideia (muito americana e nada europeia) de que mesmo os fracassos podem transformar-se numa aprendizagem valiosa. Não, definitivamente, empreender não é para todos. Carmen Vicente fez-se empreendedora à medida que foi palmilhando o seu próprio caminho, nem sempre fácil, é certo, mas sempre com gosto e vontade de fazer mais e melhor, aproveitando as várias oportunidades que iam surgindo para desenvolver diferentes competências (mesmo as mais inusitadas mas que mais tarde se revelariam visionárias), preencher lacunas de conhecimento, ganhar experiência e criar uma boa rede de networking. E porquê arriscar a fundar uma empresa quando se tem um percurso profissional não só sólido e eclético, como francamente confortável? «Queria continuar a crescer profissionalmente, a evoluir, mas à minha maneira, ou melhor, queria criar ativos para o mercado que preenchessem uma necessidade que eu sabia que existia. Na PPM Coachers procuramos sempre “calçar os sapatos do cliente” para tentar perceber quais são as suas necessidades. Ou seja, o nosso objetivo é fazer evoluir o grau de maturidade das organizações em business analysis e gestão de projetos, e para tal realizamos o diagnóstico de maturidade, elaboramos um road-map para a implementação de medidas a curto, médio e longo prazo, e apoiamos todo este processo de evolução, garantindo a consolidação das novas práticas e a sua sustentabilidade. Somos especialistas em projetos de transformação cultural e parte do nosso sucesso consiste em desenvolver competências individuais, mas de forma a que integrem os ativos da organização.» Quando o contexto – familiar, cultural, académico – faz toda a diferença.... Sendo mais velha de três irmãs, filha de um oficial da guarda-civil espanhol e de uma dona de casa que, curiosamente, também empreendeu pequenos negócios (um cabeleireiro, uma livraria-papelaria), sabe que muitas das qualidades que sustentaram as suas opções de vida e contribuíram para o seu sucesso empresarial – resiliência, perseverança, rigor, autonomia ou capacidade de trabalho – foram transmitidas quer pelo pai, uma referência na sua vida («Nunca dependas de ninguém, filha...»), quer pela educação muito particular que recebeu e pelo ambiente de exigência em que cresceu. «Até aos 16 anos, vivi sempre em Valdemoro, uma pequena vila a 27 quilómetros a sul de Madrid, onde o meu pai fora colocado. Aos cinco anos entrei no colégio Marquês de Vallejo, uma escola centenária situada numa enorme herdade de dezenas de hectares (El Juncarejo), autossuficiente (onde se cultivava e criava tudo o que consumíamos) e que recebia em regime de internato raparigas órfãs cujos pais, guardas-civis, tinham morrido em atentados, acidentes, guerras ou missões. Apesar de ser uma aluna externa («E éramos uma minoria.») marcou-me profundamente conviver diariamente com estas meninas que tinham no colégio o seu lar e a sua família,» recorda, acrescentando que, apesar dos muitos anos passados, ainda hoje é amiga de muitas das antigas colegas. El Juncarejo era então dirigido pelas Irmãs da Caridade, uma ordem vocacionada para a educação de raparigas segundo princípios muito conservadores, onde a honra e a disciplina eram as palavras de ordem, e que incentivava a solidariedade para com as causas sociais e a prática de voluntariado. «O ensino era extremamente exigente e rigoroso e, sem nunca ter sido uma aluna de topo, durante aqueles anos tive uma excelente preparação, pois quando entrei no liceu as notas dispararam sem qualquer esforço da minha parte». Conseguir ultrapassar as pedras do caminho... A pacatez de uma infância aconchegada e despreocupada vivida numa pequena vila entre as aventuras do colégio e as competições desportivas (judo e cavalos, ainda hoje a sua grande paixão) acabou aos 16 anos, quando o pai foi transferido para Baeza, uma cidade a 300 quilómetros de distância de todas as suas referências, e situada na província de Jaen, com escassa oferta de educação superior. O curso de engenharia informática na Universidade de Málaga, que começava então a posicionar-se como uma referência em IT graças às constantes remessas dos fundos europeus, foi arrancado a ferros a um pai conservador, muito protetor e pouco aberto a deixar partir a sua «menina», muito embora sempre a tenha incentivado a procurar a inovação. «Ainda hoje acho espantoso que o meu pai me tenha inscrito, aos 14 anos, num curso, em Madrid, de programação em BASIC, algo que ele nem sabia bem o que era mas que se revelou visionário e que foi determinante para a minha carreira,» conta, recordando ainda os obstáculos que teve de ultrapassar para se tornar engenheira informática. «Não entrei no curso que queria à primeira mas, como não concordei com a média que me foi atribuída, plantei-me durante três dias consecutivos na secretaria da universidade para ser recebida pelo reitor. Lá me recebeu, viram que tinha havido um erro de cálculo e acabei por entrar. Lembro-me que existiam só cinco vagas para centenas de candidatos». O curso («Um choque, pela primeira vez na vida tive que estudar à séria...») foi completado não em cinco mas em oito anos, porque agarrava todas as oportunidades que apareciam para ganhar dinheiro – estágios, trabalhos de verão e cursos pagos de formação profissional em áreas inovadoras como robótica e microelectrónica– até porque Carmen Vicente vivia com um orçamento muitíssimo reduzido. «Como não queria pedir dinheiro aos meus pais, e sim manter a minha independência, aluguei um apartamento de cinco quartos que depois eram subalugados a estrangeiros, estudantes de Erasmus ou de cursos de verão, que vinham aprender espanhol. Não só consegui equilibrar o meu orçamento e auto sustentar-me, como pela primeira vez, falando pouco ou nada de inglês, tive acesso a culturas radicalmente diferentes da minha – alemães, americanos, japoneses. E, claro!, tive que aprender a criar e liderar um sistema democrático de gestão dos (escassos) recursos do apartamento.» De gestora de oportunidades, a gestora de produtos e serviços .... Em 1992, a fábrica da multinacional Fujitsu, instalada nos arredores de Málaga, começava a testar eficácia de diferentes protótipos de equipamentos electrónicos. Oferecia estágios pagos a alunos do terceiro ano de engenharia informática e Carmen, apesar de só frequentar uma única disciplina desse ano, não hesitou e concorreu. Como não havia transportes públicos até lá, nem tinha carro, foi de bicicleta à entrevista (quinze quilómetros). «Estávamos em Junho e consegui chegar a horas mas como vinha esbaforida, pedi uns minutos para me refrescar». Apesar da falta quer de experiência quer de currículo académico, o selecionador não só achou graça à vinda de bicicleta como ficou bastante impressionado com o curso de microelectrónica que acabara de tirar para complementar os seus conhecimentos. Conquistado o lugar, estagiou seis meses na Fujitsu: três durante as férias de verão e os três seguintes acumulando o trabalho com a universidade. «Ia de Málaga até à Fujitsu de bicicleta onde trabalhava das oito horas da manhã às três da tarde. Voltava a pedalar até Málaga e ia para a Faculdade assistir às aulas da tarde e da noite,» recorda, explicando que, apesar de terem sido «três meses muito duros», nunca mais perdeu o gosto de estudar e trabalhar ao mesmo tempo, uma experiência que acabou por contribuir para que se tornasse uma aluna mais focada e concentrada. Em 1993, surge nova oportunidade de estágio, desta vez no banco Unicaja (resultado da fusão entre várias cajas de ahorro) e que a obriga a ir morar para Ronda, uma pequena cidade andaluza a 120 quilómetros de Málaga e onde se encontravam as instalações da informática do banco. «Deixei de poder ir às aulas, mas foi durante estes anos que comecei a tirar grandes notas em todas as disciplinas de engenharia, pois passei a aplicar nos exames tudo o que aprendia no trabalho. E foi também na Unicaja que pela primeira vez recebi formação em gestão de projetos, que achei interessantíssimo, e que comecei a encará-la como uma potencial área de negócio autónoma e inovadora.» Em 1997, ao perceber que após três renovações de contratos anuais, o banco evitava integrá-la nos quadros, respondeu a um anúncio do jornal colocado pela Prisma (posteriormente integrada pelo grupo Altran) que procurava service managers para Portugal. Chegou a Lisboa em junho desse ano e por cá continua desde então. Quando no início de 2004, as várias pessoas que formavam a direção da Prisma saíram para formar a Global Technologies and Business Consulting (GTBC ), Carmen foi convidada a segui-las e, uma vez mais, não hesitou. «Durante os quase cinco anos que permaneci na GTBC fui a responsável pelo desenvolvimento da gestão de projetos enquanto unidade de negócio que, inclusivamente, ajudei a internacionalizar, introduzindo de raiz estes serviços em novos mercados, nomeadamente em Espanha». Empreender para fazer mais, melhor e diferente... Quando em 2008, por mero acaso, vai almoçar com um amigo e antigo colega da Faculdade, então diretor da Aventia Espanha, a carreira de Carmen estava num impasse e sem possibilidades de evolução. Em conversa, o amigo conta-lhe que os dois proprietários da Aventia estavam à procura de um bom investimento porque acabara de lhes falhar a compra de uma empresa. Então, porque não a aproveitar essa liquidez inesperada para fundar a Aventia Portugal, introduzindo uma nova unidade de negócios – a gestão de projetos – num mercado que conhecia bem e que ainda tinha muito por onde crescer ? «Bastaram três meses e algumas viagens a Madrid para fecharmos o acordo. Apesar de não ter experiência em gestão empresarial – somente no desenvolvimento de produtos e serviços – fui obrigada a elaborar um plano de negócios a três anos, a definir os objetivos e a seguir algumas diretrizes da casa-mãe, sobretudo de reporting, que era muitíssimo exigente. Confesso que devo muito as estes meus dois ex-sócios: insistiram sempre para que também fosse acionista e ainda pediram a um conhecido empresário português, que fosse meu mentor, que me aconselhasse e acompanhasse nos primeiros meses, duas iniciativas que fizeram toda a diferença e que só tenho que agradecer-lhes», relembra. Carmen tinha então 38 anos e acabara de ter o seu primeiro filho (atualmente tem dois rapazes, de seis e três anos). Entrou com dez por cento do investimento necessário para a obtenção de acreditações internacionais, de equipamento, o aluguer do escritório, o pagamento de dois salários (o seu e o de um ex-colega que foi buscar), etc. Ficou desde logo estipulado que à medida que os objetivos fossem sendo atingidos, os prémios serviriam para aumentar a sua participação no capital da empresa. A Aventia Portugal foi lançada em setembro de 2008 e, após os primeiros três meses de instalação e de apresentação ao mercado, Carmen contava começar a faturar em janeiro de 2009. Imponderáveis e imprevistos: como saber quando se deve insistir e resistir ou desistir e fechar? Mas por muito que o planeamento a médio/longo prazo seja rigoroso e cuidadoso, é certo e sabido que os imponderáveis acontecem, geralmente vindos de onde menos se espera: durante uma ida ao ski logo no início do ano, Carmen parte uma perna, tem que ser operada e fica seis meses imobilizada. «Foi terrível e de longe a fase mais difícil de todo este processo: não só não podia fazer a abordagem comercial (e ninguém vende nada por telefone), como o mercado revelou-se muito mais conservador e receoso do que eu esperava. Cheguei mesmo a ponderar fechar a empresa e só nove meses depois do início da atividade, em junho, é que consegui conquistar o nosso primeiro grande cliente, que me fez respirar fundo e seguir em frente.» A partir de então foi sempre a crescer: em 2009 a empresa faturou cerca de 300 mil euros, em 2010, 700 mil e, em 2011, atingiram o break-even - um milhão e dezoito mil euros. Quando a empreendedora se torna empresária.... O ano de 2013 fechou em grande: 1 milhão 330 mil euros de faturação, clientes consolidados em Angola e no Brasil, o MBO (Manage Buy Out) da Aventia Portugal e o rebranding da empresa para PPM Coachers que tem como grande aposta para 2014 entrar em força no mercado espanhol. Contudo, Carmen sabe que o sucesso alcançado não dependeu apenas das suas características pessoais e profissionais – resiliência, hard work, investimento em expertise e networking, coragem, capacidade de liderança e de negociação – mas também de muitas outras circunstâncias externas que contribuíram positivamente para o resultado final. «No fundo, ao ter como sócia uma grande multinacional que, apesar de acreditar em mim, obrigou-me a ser muitíssimo exigente quer no planeamento quer no controle financeiro, foi o melhor master em Gestão que eu alguma vez poderia ter tirado. Por outro lado, o mentor que nesses primeiros tempos me aconselhou, continuou a apostar em nós e é hoje o meu sleeping partner na PPM Coachers» Contas feitas à vida e ao longo caminho percorrido, que conselhos dar a potenciais ou atuais empreendedoras? «Sempre que possam, complementem os conhecimentos nas áreas que menos dominam – fiscal, jurídica, gestão, comunicação... –, estudem bem o vosso mercado, agarrem bem todas as oportunidades que aparecerem e, claro, evitem dar passos maiores que as pernas...». |