Diane Villax - Chairman Founder Hovione
Nascida Diane de Lancastre Houssemayne du Boulay, em Lisboa, a 4 de janeiro de 1935, durante as primeiras décadas de vida da Hovione foi ela a metade administrativa do negócio acompanhando o marido em viagens pelo mundo, visitando clientes e, fornecedores ou, mais tarde, em busca da localização perfeita para mais uma fábrica. Mantém as suas responsabilidades no Conselho de Administração da empresa, mas continua também a aproveitar para viajar pelo mundo, por lazer e em trabalho, também para aprender, inscrevendo-se em cursos intensivos em escolas de gestão como o INSEAD ou o IMD. Diane Villax permanece a guardiã da história da Hovione, que partilhou connosco. Maria José Amich: A Hoviove nasce em 1959 mas só uma década depois inaugura a fábrica de Loures. Como começou tudo? Em 1959, estava eu casada havia um ano com o Ivan Villax, quando nos aparecem dois húngaros conhecidos dele, Horthy e Onody (daí o nome Hovione), que já tinham ligações com o estrangeiro, especificamente com uma empresa italiana que produzia antibióticos. Esta não podia desenvolver o seu negócio exportando pois não detinha a necessária propriedade intelectual. O meu marido, que na altura trabalhava para o Instituto Pasteur, já tinha conhecimentos e várias patentes sobre a matéria. Achou-se que havia um bom encaixe e formou-se a sociedade Hovione, em abril de 59. Em 62, quando os outros dois sócios resolveram saír para encontrar outros desafios, ficámos os dois sozinhos e logo tomámos a decisão de levar a Empresa para a frente. Iríamos produzir, vender e exportar para o mundo inteiro matéria-prima para a indústria farmacêutica, especificamente corticosteróides, um segmento de mercado de produtos de alto valor e pequeno volume. Como na altura, os recursos eram limitados, instalamos o laboratório em nossa casa e daí a vantagem do sector escolhido pois não tínhamosespaço na nossa cave para produzir grandes quantidades. Procuraríamos sempre produtos de grande complexidade e inovadores, onde a qualidade fosse um valor fundamental para nos diferenciarmos dos outros e estabelecer uma marca reconhecida pelo mundo fora. O Ivan era o criativo, o inventor, o produtor e vendedor. E eu fiquei com a parte administrativa: faturação, exportações, bancos… MJA: E a parte estratégica, de gestão do negócio? De início, como o meu marido tinha um contrato muito favorável com o Instituto Pasteur, que determinava que as patentes de invenção dele, quando elaboradas no Instituto, eram pedidas em nome do Instituto Pasteur e de Ivan Villax, ficando pertence exclusivo do dito Instituto em Portugal e no Ultramar Portuguès, enquanto que no resto do Mundo os direitos revertiam a Ivan Villax no caso de não terem sido explorados pelo Instituto Pasteur no prazo de 6 meses. Em 1960 haviam empresários húngaros interessados na sua exploração em Espanha e Itália, depois na Grécia e Suíça e, fabricado na nossa cave em Portugal, exportávamos o produto activo. MJA: Porque decidiram produzir e não apenas vender a patente? Porque a patente era muito valiosa, valia muito mais do que vendendo-a. Em meados dos anos 60, apareceram à nossa porta japoneses interessados na compra da nossa gama de corticosteroids. No Japão ainda não se fabricava a matéria-prima para a indústria farmacêutica, só se formulava. O meu marido tinha patentes de processo independentes sobre estas moléculas. Começámos a exportar para o Japão a partir de 66 ou 67. Seguiram-se Taiwan, a Coreia do Sul, Austrália e quase todo a orla do Pacífico. Em 69 já tínhamos o dinheiro e o crédito necessários para construir de raíz uma unidade fabril em Loures, onde tínhamos terrenos. Começou-se a laborar a partir do final de 70. Eu fiquei com o escritório na minha casa, com toda a parte financeira. Em 1978 visitámos a República Popular da China pela primeira vez, indo à feira de Cantão para procurar matérias primas para a nossa indústria. A visita foi bem sucedida e ainda hoje achamos nesse país a nossa fonte de matérias-primas. Em 1979 fundámos um escritório em Hong Kong pois precisávamos de colaboradores falando chinês que pudessem visitar as fábricas nossas fornecedoras. Em 1982 foi o nosso grande lançamento nos Estados Unidos. Ainda hoje o nosso maior mercado. Devido à situação política ainda pouco estável em Portugal naquela altura, alguns clientes norte americanos e japoneses aconselharam-nos a ter uma segunda fonte de produção para além de Portugal. Pouco depois, o meu marido foi a Macau, e por sugestão de Ho Yin, um banqueiro com ligações políticas muito fortes na China, decidiu construir a fábrica em Macau, que inaugurámos em abril de 1987. MJA: Isso foi um salto muito importante? Foi. Enquanto a nossa aprendizagem aqui em Portugal foi empírica – fomos aprendendo à medida que íamos crescendo – o meu filho, Guy, ainda muito jovem construiu e instalou a fábrica de Macau com alicerces firmes e olhando para o futuro. Os nossos colaboradores em Macau vestem a camisola como ninguém. MJA: O negócio vai crescendo e, a partir de certa altura começam a realizar aquisições de unidades fabris, como em Cork, Irlanda, e também na China... Sim. De facto, adquirimos a fábrica da Pfizer em Cork, em 2009. Com a Hisyn, na China, entrámos num joint-venture, era uma empresa fornecedora de matéria-prima para um dos produtos que fabricávamos em Portugal. Após 10 anos de laboração, chegámos à conclusão que o produto lá fabricado não entrava no ideal do nosso core business e a empresa foi vendida. Ainda em meados dos anos 90, o Guy, sempre atento ao mercado, apercebeu-se de um negócio interessante. As pequenas biotechs com muita matéria cinzenta estavam a descobrir moléculas interessantes mas faltavam-lhes as necessárias instalações para proceder ao longo processo de desenvolvimento – de 5 a 10 anos – até chegar à aprovação da entidade reguadora e lançamento no mercado. Em paralelo, as grandes pharmas davam a entender que também estavam mais viradas para a investigação pura e distribuição final no mercado do que no longo processo de desenvolvimento. Estavam à procura da chamadas CMO, ou contract manufacturing organizations, e nós achamos que seria um bom encaixe para a Hovione. Este segmento do negócio, chamado Serviços, tem maior risco, pois a qualquer minuto o cliente pode decidir que não lhe interessa continuar com o seu desenvolvimento, mas envolve muito conhecimento científico, portanto de alto valor. Juntamente com a venda dos Produtos – são dois segmentos que se completam e equilibram-se bem. Como mais de 50% das nossas vendas iam para os Estados Unidos, resolvemos instalar uma fábrica pequena em New Jersey, em 2001. No ano seguinte, começámos a laborar com 45 pessoas apenas. Cristina Correia: Que fatores acredita que vos fazem destacar hoje, perante a vossa concorrência? O serviço que tentamos dar, melhor do que os outros, atendendo os nossos clientes de uma maneira muito eficiente. A qualidade e atenção, a resposta rápida, a entrega a tempo e horas é muito mais importante do que o preço. É isso que os nossos clientes valorizam mais e o que tentamos incutir em todos os que trabalham na Hovione. Tentamos fazer-lhes compreender que todos são um elo indispensável na cadeia que forma o sucesso da Empresa. CC: É fácil construir essa cultura empresarial nos 8 países em que estão presentes? Não é muito fácil, mas nós fazemos uma rotação dos recursos humanos constante com o objetivo de espalhar a cultura de Empresa. Em Macau estamos há mais de 30 anos e a cultura está muito enraizada. Nos outros países vamos trabalhando o assunto e graças à constante rotação dos nossos colaboradores vamos încultindo a cultura nos trêscontinentes onde trabalhamos. CC: Qual foi a primeira grande lição que aprenderam enquanto empreendedores? Que tinha que se trabalhar muito. Há obstáculos que existem em Portugal, a burocracia, que tanto empata quem quer investir. Tudo é mais fácil no estrangeiro – há regras, são para cumprir mas depois tudo funciona rapidamente. Tivemos muita sorte no nosso timing, foi perfeito. Em 1960 estava tudo por fazer. Lembro-me de lidar com os bancos, pedir linhas de crédito e depois lia com muito cuidado as letras pequeninas dos contratos, riscando certos pormenores com que não concordava. Eu era muito minuciosa, sobretudo com o controlo de dinheiro. Geri as finanças até princípios dos anos 90 e durante esse período não houve cheque que saísse da Hovione que não tivesse sido assinado por mim. CC: Numa altura em que poucas mulheres estavam à frente de negócios em Portugal, como era para si lidar com um meio e um mercado quase exclusivamente masculino? Não tinha que lidar muito com isso, porque eu representava o backoffice. Não saia muito e estava quase o dia todo à secretária. Eu tinha que executar e mandar, mas estava na retaguarda. CC: Quando se dá, então, para si o grande salto para a linha da frente dos negócios? Quando o meu marido morreu, em 2003. Ele era genial e além de continuar a inventar, patentear e a trabalhar no laboratório, também era um grande vendedor,ia aos Estados Unidos e Japão falar com os clientes e, como sabia profundamente do que falava, convencia todos. E quando morreu, em 2003, o Guy, já CEO desde 1997 e depois duma transição que não deve ter sido fácil, tomou o leme. De uma pequena companhia familiar fez uma empresa internacional, de uma forma muito profissional. Uma das primeiras ações tomadas foi de estabelecer um Board da empresa detentora das subsidiárias todas, composto por ele, por mim e por três membros externos e independentes. Foi assim até há pouco tempo. Hoje, o board é maior e ainda mais profissional; sou founder chairman mas há um chairman of the board com qualificações para tal. A partir de 2003 tive que começar a falar em público nunca o tendo feito. Tive que me reinventar. Nas reuniões do board, como fundadora, insistia na manutenção dos nossos valores e ideais iniciais e era eu que tinha que insistir para que isso se mantivesse e fosse posto por escrito. Enquanto chairman da comissão de governance e ética, compete-me supervisionar que se mantém a conduta ética, bem como a questão ambiental, pela qual o meu marido teve muita preocupação desde sempre. CC: Também começaram cedo a interessar-se pela questão da responsabilidade social das empresas. Que iniciativas destacaria, ao longo da vossa história? Fazemos mecenato há muitos anos, em redor de nós. Quisemos sempre ser muito específicos, escolhendo escolas, universidades que precisassem de ajuda técnica e financeira e que nos pudessem depois fornecer engenheiros, físicos e matemáticos. Apoiámos, recentemente, a construção da Nova School of Business & Economics e temos muitas parcerias com outras universidades. Há dois anos iniciámos o projeto “9ºW” (que é a latitude de Lisboa), ao qual atribuímos 5 milhões de euros em três anos para que universidades portuguesas aceitassem entrar em parcerias com a Hovione, estudando questões que nos interessavam. De momento o ISEL, com um laboratório inteiramente equipado por nós está a preparar analistas de bancada que necessitamos em grande número. Temos também um programa global em parceria com instituições como a FCT da Nova, o Instituto Superior Técnico, as universidades do Porto, Minho e Aveiro. Todas se interessam por projectos desafiantes vindos do setor privado. CC: A Hovione também aposta no recrutamento de talento recém-formado em ciências. Como está Portugal, nessa matéria, e que políticas têm para captar e reter esse talento? Os jovens formados em Portugal nesta área são do melhor que há! Inovadores, ambiciosos, assíduos, conhecedores e empreendedores. Temos um ótimo grupo de jovens cientistas. E temos ainda um programa muito interessante, com vários estudantes a prepararem as suas teses de doutoramento na Hovione. Sente-se que a nova geração quer, de facto, novas experiências profissionais. Nos últimos 3 ou 4 anos recrutámos cerca de 400 pessoas — hoje, em Portugal, empregamos cerca de 1100. Acredito que estamos a fazer algo certo, pois vejo que os nossos jovens investigadores se sentem desafiados. Mas obviamente a Hovione não é só constituída por investigadores. Em todos os sectores há talento, vontade de progredir e inovar. Temos planos muito determinados para reter talento. MJA: Fala muito dos seus filhos e neste momento a Hovione tem uma gestão profissionalizada. Mas como é que uma empresa familiar escolhe um sucessor, o profissionaliza e, ao mesmo tempo, prepara uma terceira geração de líderes? Tenho umas ideias, talvez até um pouco radicais, relativamente a essa questão. A terceira geração - são 16 – vão ser todos donos. Por isso, têm que conhecer bem a empresa que lhes há de pertencer e saber se quem a está a gerir o faz da melhor maneira. Alguns serão administradores e farão parte do board of directors. De acordo com os estatutos, estarão sempre em minoria. Estabelecemos regras bastante claras de como ingressar na empresa — os membros da família interessados nisso terão sempre que trazer valor adicional à Hovione, porque a concorrência é hoje, muito grande. Oferecemos aos membros da família internatos de três anos, depois de acabarem o mestrado. Há também uma obrigação de trabalharem fora para entrar na Hovione, trazendo conhecimentos, experiência e inovação. Numa empresa familiar há sempre um certo risco de implosão. O CEO será sempre a pessoa mais bem qualificada para levar a Empresa para a frente. MJA: É algo que a preocupa? Na minha cabeça esta questão é bastante clara. Tem de ser a melhor pessoa para o cargo. Havendo na família, melhor, senão virá um profissional até haver um familiar com as qualificações, personalidade e força suficiente. A Empresa tem hoje uma certa dimensão, por isso o CEO tem de ser alguém com experiência e capacidade. CC: Mas há também a questão de incutir o amor pela empresa e a vontade de dar seguimento ao projeto familiar. Isso consegue-se facilmente nos filhos e netos? Isso fazemos, temos eventos bianuais e workshops familiares nesse sentido. Os meus filhos não ouviram falar de outra coisa durante a vida senão da Hovione. Quanto aos netos, alguns estão mesmo muito interessados e na generalidade todos têm ânsia de saber cada vez mais sobre a Empresa. CC: De todas as suas conquistas na Hovione, de qual se orgulha mais? De ter atingido o 60º aniversário da Hovione e de ainda estar no ativo, de ter uma empresa conhecida mundialmente e reconhecida pela sua excelência. Eu tenho tido uma vida muito completa. MJA: Se tivesse que caracterizar-se a si própria, como se identificaria? Parece-me ser uma lifelong learner... Sim, sim! Recentemente, fui com a minha filha Sofia ao IMD, em Lausanne, fazer um curso intensivo de cinco dias para high performing boards e, há dois anos, fomos ao INSEAD para uma coisa muito engraçada, sobre gerações de empresas familiares — fui eu, a minha filha e mais quatro dos meus netos, com 32, 29, 27 e 25 anos. Estavam lá mais quatro famílias, mas todas apenas com duas gerações presentes. Nunca tinha aparecido uma família abrangendo três gerações. Sou da opinião que cada vez que aprendemos algo novo percebemos que há tanto que ainda desconhecemos. MJA: Que conselho de gestão deixaria a uma mulher empreendedora? Acho que é muito importante ser uma pessoa organizada. Penso que temos que ser pragmáticas, sabermos quais as nossas limitações. Estar focada e ser muito conhecedora do que está a fazer é muito importante. É essencial rodearmo-nos de colaboradores muito competentes para podermos delegar as responsabilidades, sobretudo quando se chega a uma determinada dimensão. E, dentro do possível tentar saber quais os "zun-zuns" que vão circulando. Com 10 ou 50 empregados isso é fácil, mas com mais de mil é muito difícil. Na minha posição, isso não é muito fácil — e nem deveria, depois dizem-me que é micromanagement. Mas assuntos humanos tocam-me muito e há pessoas com 30 anos de casa que eu conheço bem. Gosto muito de me fazer parte do grupo e de conhecer muitos pessoalmente. CC: Que metas têm estabelecidas para o futuro? Em 2008 decidimos que, em 2028, queríamos ser reconhecidos como empresa líder em soluções inovadoras e integradas para a indústria farmacêutica mundial. O nosso lema é "in it for life",o que quer dizer que estamos cá para durar e para dar saúde a quem dela precisa. Acho que é um ótimo tagline. O importante é focarmo-nos, termos o nosso nicho, expandirmo-nos e sermos excelentes no que fazemos para que os clientes voltem. Sendo uma empresa familiar podemos fazer planos a longo prazo, sempre difícil para empresas cotadas em Bolsa. E as empresas farmacêuticas precisam mesmo de fazer planos a longo prazo porque são precisos muitos anos de desenvolvimento entre a descoberta de uma molécula e a sua comercialização.
1 de Fevereiro de 2019
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