Ana Paula Reis - cofundadora e administradora do grupo SelPlus / Seldata
1. Sempre empreendeu ou aprendeu a empreender? Sempre empreendi. E entendo esta palavra numa extensão que vai muito para além do lançar a minha própria empresa: realizar, fazer acontecer, concretizar, empreender são palavras que se aplicam muito bem à minha forma de estar e de ser, desde sempre, não só no que se refere à esfera profissional. 2. Quando, como e porquê? No que se refere à criação da primeira empresa, a SelPlus, a oportunidade surgiu em 2002, por entender que o mercado português tinha uma grande lacuna ao nível de serviços profissionais, especializados na gestão comercial. Eu já tinha já doze anos de experiência na direção das várias áreas de uma empresa (planeamento, operações, finanças, vendas e marketing) e os meus sócios de então – o Manuel Falcão e o António Lucena de Faria –eram também profissionais com muita experiência. Começámos a trabalhar no desenvolvimento do negócio em fevereiro de 2002, ainda cada um no seu respetivo emprego, mas quando assinámos o nosso primeiro contrato, a 31 de julho, despedi-me e fui de férias. O investimento inicial, 100 mil euros, foi feito a partir de capitais próprios e cada um investiu um terço deste valor. A partir daí, assumi a direção-geral da SelPlus, o Manuel a produção e o António, que tinha um grupo empresas de tecnologia, ficou responsável pelo software. Hoje, sei que os ingredientes certos para arrancar foram precisamente estes: a conjugação de pessoas com experiências diversas e complementares, a detecção de um espaço de oportunidade do mercado e, sobretudo, ter uma ideia muito clara de como o aproveitar. 3. Consigo foi “cheguei, vi e venci “ou "cheguei, lutei e quase desisti"? Nem uma nem outra, por várias razões. Por um lado, são expressões de tempos verbais de passado e o que me importa é o presente, o que faço agora, o que vejo, o que luto, o que experimento no presente e como construo o futuro. Por outro, são expressões de conclusão e não me sinto como alguém que concluiu seja o que for. Entendo que tenho um caminho para continuar a percorrer e a superar-me, com muitos objetivos para atingir. Finalmente, não sou de desistir. Para mim é "estou, analiso, refaço e continuo". O passado não é garantia de nada, só do que já foi. Aliás, veja o caso da Seldata, uma spin-off da Selplus que lancei em 2012 quando me apercebi de que havia espaço para desenvolver uma solução tecnológica específica de apoio às equipas comerciais, o bird. Se a SelPlus conta já com quase 300 colaboradores e uma faturação de mais de 6 milhões, na Seldata ainda há muito por fazer e por onde crescer. 4. E o que encontrou pelo caminho? Cascalho, pedras, calhaus ou pedregulhos? Claro que encontrei de tudo! O importante não é o que encontrei mas o que me fez chegar até aqui, o que me deu e dá energia para continuar. Os calhaus de que fala são muito importantes se, ao passar por eles, desenvolvermos o calo que nos faz caminhar para, no futuro, passar por eles como se fossem algodão. Essa visão e atitude é muito importante para ser um verdadeiro empreendedor: aprender e avançar, sempre. Como empreendedora, sinto que pessoas que me acompanham são fundamentais e destaco o papel de sócios que se complementam e partilham princípios de negócio e uma visão global. 5. Quais os mais pesados? Lembro-me que no arranque da SelPlus tanto eu como o Manuel estivemos cerca de 14 meses sem receber porque achávamos que a empresa deveria criar um fundo de maneio suficientemente confortável para que nunca houvesse o risco de falharmos os nossos compromissos. Para nós, pagar a horas foi sempre uma questão de princípios. Mas também sei que, por vezes, os pedregulhos mais pesados são os que decidimos carregar connosco em vez de decidirmos avançar sobre e apesar deles. Ainda assim, para mim, a maior dificuldade é a lentidão das empresas, o adiar da toma de decisões. 6. Que fez? Desviou-se, saltou por cima, atirou-os para longe ou guardou-os todos? Tanto quanto posso, não os carrego e tenho esse assunto muito claro. No exemplo que dei, a solução é identificar as pessoas e os motivos que podem ser catalisadores de uma decisão, trabalhando nesse sentido. Por outro lado, como sei que essa é uma característica do mercado, coloco sempre diversas alternativas que nos permitam ser mais ágeis e não ficar presos a uma situação. É a isso que chamo "passar sobre os pedregulhos": conforme o caso, pode ser andar, saltar, atirá-los para longe ou encontrar outra forma mais criativa, desde cumpra com os meus princípios. 8. Aprende-se a empreender com a emoção ou com a razão? Gosto desta pergunta porque posso respondê-la com a visão da minha empresa mais recente, a Seldata: um dia, as decisões de negócio serão feitas com a emoção da razão. Aprender a empreender exige a capacidade de interpretar os dados do contexto em que nos movemos. Essa interpretação exige objetividade e, consequentemente, a razão. Por exemplo, em 2002, para mim era óbvio que o processo de deslocação das grandes empresas para fora de Portugal que estava então a começar iria não só continuar, como aumentar, o que deixava em aberto um segmento do mercado que podia ser aproveitado pelas empresas nacionais. Foi o que fez a SelPlus! No entanto, empreender é fazer com e para pessoas, é um processo relacional e, por isso, fortemente emocional. Empreender com sucesso é encontrar permanentemente o equilíbrio entre a razão e a emoção, tanto na decisão como na implementação. 9. Em Portugal, empreendedorismo rima com feminismo? Empreendedorismo rima com pessoas, vontade, energia, determinação, empowerment. É um processo transversal aos indivíduos e grupos per si, acima das considerações de sexo e, por isso, não rima com quaisquer movimentos assentes nesse critério. 10. Do que mais se orgulha enquanto empreendedora? De fazer, de concretizar, de obter resultados positivos e da capacidade de entusiasmar e mobilizar outros nesse sentido. Em resumo, de fazer a diferença. Ter neste momento duas empresas a operar no mercado - a SelPlus e a Seldata com propostas de qualidade reconhecida pelos clientes e pelos colaboradores, é um grande orgulho. 11. E do que mais se arrepende? Quando tomo decisões considero as informações e o conhecimento disponível nesse momento. Isso faz com que mesmo se, à posteriori, os resultados da decisão não são os esperados, não tenha arrependimento. Aliás, o empenho que coloco naquilo que faço tem também como fim não ter arrependimentos. É algo do qual estou muito consciente porque acredito que o arrependimento é, na maior parte dos casos, inútil; significa olhar para trás sem poder mudar nada, perder tempo em algo não construtivo. Naturalmente que sempre que traço objetivos e não os atinjo sinto desilusão ou frustração, mas procuro sempre analisar o que aconteceu de errado, de forma a aprender a evitar os mesmos no futuro. 12. Celebra o seu sucesso? Como? Tenho sempre uma garrafa de champagne no frigorífico, tanto no escritório como em casa, para abrir e partilhar entre todos aqueles que contribuíram para esse sucesso. E quando tiro uma garrafa do frigorífico substituo logo por outra porque acho que temos de estar sempre preparados para celebrar o próximo sucesso! 13. Conselhos, opiniões e sugestões para quem está prestes a empreender. O meu principal conselho é nunca desistir. Reformular sim, desistir não.
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